quinta-feira, 9 de maio de 2013

Brasil no século XX: entre autoritarismo e democracia



A passagem do século XIX para o XX, no Brasil, foi caracterizada por mudanças substanciais na sociedade, na política, na economia, enfim em todo o país. A proclamação da República no Brasil, em 15/11/1889, foi fruto da aliança entre cafeicultores paulistas e militares. Tais setores ansiavam maior participação política, visto que os militares vinham, após a Guerra do Paraguai, criticando a posição secundária que o Império lhes conferia enquanto instituição, e defendendo o “cidadão de farda”, ou seja, o reconhecimento de sua presença na política, algo negado pela monarquia.
A província de São Paulo vinha, no transcorrer dos últimos anos do Império, concentrando o poder econômico da nação, uma vez que os engenhos de açúcar, que firmavam o eixo econômico do Brasil na região, hoje chamada de nordeste, estavam em franca decadência diante de uma conjuntura internacional desfavorável, da emergência de outros cultivos mais lucrativos em outras regiões, e enfraquecidos com a perda da mão de obra escrava, não tendo, pois, condições financeiras para a modernização e transição para mão de obra assalariada. É nesse sentido que os paulistas reivindicam a D.Pedro II a igualdade de representação política entre as províncias, mas ao negar, o imperador acaba por perder o apoio político de São Paulo e, assim, um importante passo é dado em direção ao fim do Império.
Estes foram, portanto, os interesses que levaram à ação conjunta dos cafeicultores paulistas e dos militares em prol da mudança de sistema político, ou seja, da proclamação da República. A partir desse momento, inicia-se no Brasil um novo regime político, que, no entanto, permanecia igual em sua estrutura, visto que aqueles que compunham o Partido Liberal e o Conservador durante o Império vão ser os mesmos a compor os partidos republicanos estaduais.
Mesmo na chamada República da Espada, governo dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a força dos cafeicultores vai se sobrepor, uma vez que, de forma geral, estavam unidos, ao contrário dos militares que tinham divisões internas. Por pressão dos cafeicultores, inicia-se a chamada República Oligárquica quando o governo passa para as mãos dos civis, cafeicultores paulistas, em 1894, com a eleição de Prudente de Morais. Inicia-se, assim, o processo contínuo de beneficiamento de São Paulo em detrimento do restante do país.
No entanto, apesar de todas as medidas legais em prol dos paulistas que foram injetadas na nova constituição - como, por exemplo, a retirada do voto censitário em favor da concessão do direito do voto a todos os homens alfabetizados, visto que estes estavam concentrados em São Paulo - começou a se firmar no Brasil um verdadeiro “acordo de cavalheiros”. Sobre tal acordo estruturava-se o federalismo brasileiro: “sobre o café, café puro se possível, café com leite se necessário” (FAORO, 1995, p.554). Iniciar-se-ia, assim, uma alternância entre presidentes paulistas e mineiros, a chamada República do Café-com-leite, uma vez que estes eram os principais produtos de São Paulo e Minas Gerais, respectivamente, com o peso inigualável do café sobre a economia do país.
Este acordo é, no entanto, estabelecido de forma decisiva na Presidência de Campos Sales (1898-1902), que inicia um processo de conversação com aqueles que detinham o poder político em cada Estado. Desta forma, foi estruturada uma política de troca de favores entre o governo federal, os governos estaduais e locais, estes últimos representados pelos coronéis, ou seja, líderes que aglutinavam o poder sobre, às vezes, mais de um município.
Assim, as oligarquias que dominam cada estado constituem os chamados poderes regionais, que, sob a aprovação de um líder aceito por todos, se articulam com São Paulo na Política dos Governadores, devendo-se dizer que elas se constituem dentro de um processo dinâmico, em que conflitos internos e dissidências acontecem e novas oligarquias se formam. Além disso, o exército não esteve totalmente afastado da política depois do governo de Floriano Peixoto, presença materializada durante a presidência do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914).

Modificações sociais e econômicas desse período
Essa conjuntura política foi acompanhada por mudanças econômicas e sociais. Podemos dizer que ainda nos anos de 1910 começam a se sedimentar as primeiras modificações na sociedade brasileira. Dentre as mudanças ocorridas, podemos perceber a introdução das ideias anarquistas, através dos imigrantes, que forneceram a base para a formação do ideário da classe operária brasileira, tendo-se neste sentido como marco a greve dos trabalhadores de 1917 e ocorrendo ao mesmo tempo do início da constituição de uma elite burguesa.
A constituição dessa elite burguesa e a aceleração do processo de industrialização brasileiro estão relacionadas ao contexto mundial que vigorou durante a Primeira Guerra (1914 – 1918), ao passo que o Brasil teve que sair um pouco da condição de país agrário-exportador, que vigorava desde o período colonial, passando pelo Império, intensificando seu processo de industrialização pela política de substituição de importações.
A política de substituição de importações foi a saída encontrada para amenizar as dificuldades, em meio à guerra, de importações de produtos industrializados, que nesse momento alcançaram elevados preços, além do fato de que a falta de atividade no setor agrário-exportadora, em meio à guerra mundial, encoraja o deslocamento dos investimentos para o setor industrial, que passa a produzir produtos até então adquiridos por importação e a, vagarosamente, se voltar para o mercado interno.
Foram, portanto, o declínio da exclusividade exportadora do café e o incentivo maior ao desenvolvimento industrial, as modificações mais significativas no âmbito econômico durante os anos de 1910, uma vez que uma crescente aceleração da industrialização era defendida pelos que desejavam a modernização do país.
Há nesse período, ainda, o crescimento das cidades, começando o Brasil a ficar dividido entre os coronéis e a burguesia que está se formando. Assim, com o surgimento da classe operária e da classe burguesa, a conjuntura social brasileira é modificada, passando a contar com novos personagens. Desta forma, juntam-se às disputas oligárquicas e aos militares, outros setores da população brasileira que contribuíram com o momento de transformações pelo qual o Brasil passou no início do século XX, uma vez que reivindicavam mudanças sociais, econômicas e políticas no país - como foi o caso do crescente setor industrial, desejoso de participação política, e das reivindicações operárias - mudanças estas que se firmam de forma decisiva na década de 1920.
Durante a década de 1920, o Brasil vive um período intenso de transformações em todos os âmbitos da sociedade, sendo que são, decisivamente a partir de 1922, que as mudanças, nascidas nos anos de 1910, vão se sistematizando e atingindo as estruturas sociais. É necessário que se diga que este contexto de mudanças estruturais era um fenômeno global, uma vez que se vinha de uma situação de pós-guerra, esta que afetava toda a economia global.
O ano de 1922 reuniu acontecimentos que vinham se opondo ao quadro econômico, político, social e cultural que havia no país, constituindo-se num divisor de águas na história do Brasil. Esses acontecimentos se enquadravam em um clima de descontentamento que atingia alguns setores da sociedade, seja a partir de interesses políticos, econômicos ou culturais.
Com relação às mudanças no quadro político, podemos perceber a insatisfação com a Política dos Governadores, uma vez que se falava na necessidade de “libertar o homem do interior do coronel, os Estados das oligarquias...” (FAORO, 1995, p.665). O que se colocava era que o país vivia uma grande desunião, com os vários mandonismos locais, impossibilitando-se, assim, a estruturação de um Estado nacional. É em cima do estabelecimento de um governo forte, capaz de coordenar a sociedade e desenvolver a economia, que circulam os discursos contrários à estrutura política que se tinha, buscando-se em primeiro lugar “afastar da vida política as teias oriundas da ordem estatal, representada nas oligarquias”. (FAORO, 1995, p.671)
Ao mesmo tempo em que ocorriam essas oposições ao sistema oligárquico da República, tem-se mudanças sociais em curso. Estas mudanças podem ser visualizadas partindo-se da nova estrutura demográfica que o crescimento das cidades conferiu ao país, visto que as cidades vinham crescendo - a partir da atração sobre a população que o desenvolvimento da indústria exercia. Porém, não havia crescimento em termos de representatividade política, ou seja, as oligarquias rurais estruturadas no poder dos coronéis continuavam a comandar a política do país. No entanto, a predominância dos interesses do latifúndio rural começava a ser ameaçada, uma vez que, mesmo com a exportação do café voltando a crescer com o fim da guerra, o Brasil vai se voltando pouco a pouco para o mercado interno.

Acontecimentos que abalaram as estruturas da República Oligárquica
Tendo os tenentes como exemplo, a classe média vai, na década de 1920, reivindicar mudanças na estrutura econômica e política do país. Dentre os moradores das cidades que não contavam com representatividade política, podemos evidenciar a população feminina, que só alcançaria o direito de voto com Getúlio Vargas, e os militares, estes que, imbuídos da ideia do soldado cidadão, desejam aumentar o eleitorado urbano. São esses militares da classe média, tenentes, desejosos de participação política, que realizam o Movimento dos 18 do Forte de Copacabana em 1922. Esse movimento tinha por objetivo derrubar o presidente Arthur Bernardes, o qual havia feito fortes críticas aos militares, sendo que sua eleição foi repleta de conflitos com os tenentes.
Ainda na busca por espaço político havia, além da burguesia que vinha se estabelecendo, os operários, anarquistas e anarco-sindicalistas, que vinham realizando, desde a década de 1910, movimentos grevistas em protesto à situação marginal em que se encontravam socialmente. Estes operários viriam a ser opositores das oligarquias e a compor o Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922.
O terceiro evento ocorrido em 1922 foi a Semana de Arte Moderna. Estava marcada inicialmente para maio de 22, mas uma exposição francesa que almejava “ler” o Brasil acabou por antecipá-la para fevereiro, pois, revestidos do discurso nacionalista que fervia no mundo, os modernistas desejavam, como brasileiros, fazer essa leitura do Brasil. Esse evento podia se constituir como algo altamente de cunho cultural se não fosse pelo forte antioligarquismo dos modernistas, que de fato se opunham às oligarquias de forma mais consistente que o próprio PCB.
A Semana de Arte Moderna de 1922 inspirou-se principalmente na ideia de nacionalismo e de Estado Federal. Este movimento, nascido em São Paulo, pretendia “ver o Brasil por dentro”, mas a leitura que os modernistas fazem é a partir do olhar do sudeste e não uma leitura regional, com as particularidades de cada região. Ainda com relação à Semana de Arte Moderna, deve-se evidenciar um movimento de oposição a ela que foi o discurso regionalista liderado por Gilberto Freyre, pois este chamava a atenção para as disparidades regionais, pois, com um Estado dividido por oligarquias, como se ter um discurso nacionalista e de Estado Federal?
Todo o contexto nacional - político, econômico, social e cultural - dos anos de 1920 deu-se em meio a agitações, necessitando explicitar que a ação dos militares não se reduziu ao levante do Forte, mas constituiu-se no Movimento Tenentista que, visando derrubar o presidente Arthur Bernardes, vai bater de frente com as oligarquias. Ocorre levante tenentista em São Paulo (1924), coração econômico do país, bem como a própria Coluna Prestes, liderada pelo militar gaúcho Luís Carlos Prestes, que percorreu o Paraná, São Paulo, Minas Gerais, de 1924 a 1927. A Coluna teve no nordeste um foco de ação (menos no Juazeiro), pois aí o sistema de voto de cabresto, incompatível com a purificação da sociedade, que os militares desejavam realizar, ou seja, a conscientização dela em torno do voto.
Diante da conjuntura exposta, percebe-se que “o ponto comum de convergência destes vários segmentos da sociedade é a contestação contra o regime político.” (BRUM, 1995, p. 72) Assim, a maior parte dos setores da sociedade desejava mudanças, principalmente a partir de rupturas na estrutura política.
Este foi um resumo dos acontecimentos que se desenrolaram no início do século XX, no Brasil, os quais provocaram mudanças profundas na sociedade brasileira como um todo. Sociedade esta que começava a ser envolvida, de forma mais intensa, por grandes inovações no campo tecnológico, como foi a difusão do rádio, iniciada em 1922.

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